O meu avô assistiu a Copa de 50. Então, eu resolvi entrevista-lo e colocar aqui pra vocês.
As minhas perguntas são antecedidas por um -.
As respostas dele são longas, ocupam vários parágrafos e estão entre aspas "" e com cor verde.
Nas respostas eu coloquei informações adicionais entre [ ], informações que ele não falou, mas pra completar a informação pra vocês, eu achei melhor assim, com cor preta.
- Início da entrevista -
- Me fale tudo que você lembra da Copa de 50?
"Eu vi todos os jogos do Brasil, eu não me lembro direito, mas acho que o Brasil ganhou de 6 X 1 da Espanha, de 7 X 1 da Suécia, 4 X 0 do México. O jogo mais difícil foi em São Paulo, contra a Suíça, foi 1 X 0 com um gol do Alfredo do Vasco.
O jogo aqui contra o Uruguai o Brasil jogava pelo empate, porque naquele tempo era por pontos perdidos. O Brasil não tinha nenhum ponto perdido e o Uruguai tinha um ponto perdido porque tinha empatado com a Espanha. O Brasil jogava pelo empate. O Brasil fez 1 X 0 no segundo tempo com gol do Friaça e tomou dois gols de contra-ataque do Uruguai. Time que está ganhando não pode tomar dois gols de contra-ataque, ainda mais numa Copa do Mundo.
O Bigode era fraco, o lateral esquerdo. O Flávio Costa [técnico do Brasil na Copa] não colocava o Nilton Santos, que foi considerado o melhor back do mundo, mas o Flávio Costa não sabia, ou fingia que não sabia, aí colocava o Bigode. Eles tomaram dois gols de contra-ataque [na partida contra o Uruguai], o primeiro do Schiaffino e o segundo do Ghiggia. Todo mundo culpa o Barbosa.
Espero que não repitam isso agora, o Brasil pode ganhar, embora agora seja muito mais equilibrado do que era.
A concentração [da seleção brasileira] era em São Januário. La no Vasco, em baixo da arquibancada, tem dormitórios, e a seleção ficou lá. Acho que foi lá, eles não foram pra lugar nenhum não. Eles ficaram em São Januário e todo mundo entrava e saia de São Januário a noite toda, na noite anterior ao jogo [contra o Uruguai], ninguém se preparou pro jogo, porque estavam achando que dava pra ganhar fácil e o Uruguai nunca é fácil.
Naquele tempo se teve uma noção muito errada do futebol na Europa, porque a Europa vinha da guerra, a guerra acabou em 45, então o que eles jogavam de futebol tinha muito pouco tempo [devido a preparação ter sido apenas nos anos do pós guerra] para um país disputar uma Copa no nível do Brasil, Argentina e Uruguai, porque a recuperação do futebol [europeu] foi de 5 anos, o que deve ser muito pouco. Por isso deu uma ideia errada de que o futebol da Europa era fraco, e não tem nada de fraco, eles não tiveram tempo de se ajeitar porque vieram da guerra, que tinha durado de 38 a 45. A guerra pegou todo mundo, inclusive os jogadores de futebol que fazem parte do povo. Alguns países foram completamente arrasados na guerra.
Na minha opinião o Barbosa não teve culpa [dos gols sofridos contra o Uruguai]. O Brasil tava ganhando de 1 X 0 e jogava pelo empate. Com a torcida toda gritando o Brasil foi pro ataque, o que foi completamente errado, não tinha que ir pro ataque, tinha que deixar o Uruguai ir pro ataque e jogar de contra-ataque, mas aconteceu o contrário, o Uruguai que jogou de contra-ataque. O Ghiggia em uma jogada passou pelo bigode que era um lateral esquerdo fraco, entrou pela área pela direita, o Barbosa encostou [na trave], ele [Ghiggia] atravessou a bola pro Schiaffino que vinha chegando, vinha sozinho porque o Juvenal e o Bauer chegaram atrasados. O resto da defesa chegou todo mundo atrasado. Ninguém estava contando com isso, todo mundo achava que o jogo era fácil. E o segundo gol foi igual, o Ghiggia pegou a bola no meio de campo, passou pelo Bigode e entrou na área, o Barbosa abriu por causa do primeiro gol, para cercar o passe pro Schiaffino que já vinha chegando, nisso que ele abriu, o Ghiggia colocou a bola no espaço entre a baliza e o Barbosa, sem força, mas o Barbosa tinha jogado o corpo pra direita pra cercar o passe e não deu pra voltar. Culparam o Barbosa sozinho, mas o culpado foi todo mundo.
O time, se não me engano foi o mesmo a Copa toda, era Barbosa; Augusto e Juvenal; Eli, Danilo e Jorge; Friaça, Zizinho, Ademir, Jair e Chico. Antigamente era assim que escalava: o goleiro, dois backs, três alfs e cinco atacantes. O escrete todo era do Vasco e do Flamengo e botaram o Bigode no time porque só tinha Vasco e Flamengo no time, o Bigode era do Fluminense, e o absurdo é que o reserva do Bigode era o Nilton Santos.
No jogo em São Paulo [Brasil 1 X 0 Suíça] o Flávio Costa, pra agradar o pessoal de São Paulo, colocou os três alfs do São Paulo, tirou Eli, Danilo e Jorge. O Friaça eu acho que tava machucado, o Alfredo, que também era do Vasco entrou no lugar dele e fez o gol. O Brasil ganhou da Suíça por 1 X 0.
Eu só não vi Brasil X Suíça que foi em São Paulo, eu vi Brasil X Uruguai que foi a final, Brasil X Espanha, Brasil X Suécia e mais o que... Me lembro de Brasil X México, mas não me lembro como era dividido não [em grupos ou não, como que era pra ir passando de fase].
Ninguém levava em consideração os times da Europa."
- A Inglaterra veio?
"A Inglaterra veio, perdeu pros EUA de 1 X 0. Foi uma zebra danada. Mas eles eram da outra chave.
Os times europeus eram considerados fracos. O Brasil ganhou da Suécia de 7 X 1, eu acho e da Espanha de 6 X 1. No jogo contra a Espanha o Maracanã todo cantou a música 'Eu fui as touradas de Madrid...'"
- Você ficou aonde no Maracanã?
"Na bandeirinha de corner, do lado que tem as cadeiras, até hoje tem aquelas cadeiras no meio de campo [antes da reforma era o setor mais caro do Maracanã, que ficava de frente pras arquibancadas brancas, em cima da cabine de imprensa. Hoje eu não tenho certeza de que setor é], eu fiquei ali, do lado aonde fica a torcida do Flamengo, mas perto da bandeirinha [de escanteio], à esquerda das cabines [de imprensa]. Todos os jogos ali.
Só que no último jogo... O Maracanã era uma arquibancada só, de cimento inteiriço, que dava volta. No último jogo, contra o Uruguai, tinha tanta gente que entre a pessoa sentada embaixo e em cima [no degrau de baixo e no degrau de cima], tinha outra pessoa de lado, vendo o jogo de lado pro campo. Sentado virado de lado pro campo, com a perna enfiada entre a bunda de um e os pés do outro. Todo mundo ficou mal acomodado, mas ficou assim."
- Como eram os ingressos? E como que vocês pegavam os ingressos?
"Era de papel. O tio Valdemar [um tio do meu avô e, consequentemente, meu tio também. Eu n~~ao conheci esse tio Valdemar, pois ele morreu antes de eu nascer] comprava. Cada um ia com o seu ingresso na mão e aí entrava, mas já tinha roleta. Você entregava o ingresso aí rodava a roleta. O certo era rasgar a entrada, porque nego dizia que depois devolviam os ingressos para serem vendidos lá fora. Mas não rasgavam, e você não queria saber se rasgaram ou não, você queria entrar.
Todo mundo achava que o Brasil ia ganhar fácil, e provavelmente ia mesmo, se não tivesse acontecido aquilo tudo. Passaram a noite [que antecedia a final] praticamente em claro, porque não deixavam eles dormir festejando [antecipadamente] a vitória da Copa.
Quando nós chegamos no último jogo o Maracanã já estava cheio. O jogo era as cinco. Nós chegávamos três horas pra sentar na sombra."
- Em que mês que foi a Copa?
"Junho e julho. Não era tanto calor assim."
- Fim da entrevista -
No decorrer do tempo do blog eu farei mais entrevistas com ele, sobre outros assuntos ligados a futebol e colocarei aqui pra vocês. Compartilhem, comentem, pois cada compartilhamento e comentário é um incentivo para a equipe do Sem Siro continuar.
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